20 Março 2025
O famoso etnógrafo e filólogo português José Leite de Vasconcellos relata, numa das suas lições de filologia portuguesa na Biblioteca Nacional de Lisboa entre 1907-1908, que em Trás-os-Montes (Moncorvo) ouviu os seguintes nomes de ventos: vento marinheiro (do Poente), cieiro (do Nascente; por talvez produzir cieiro), gallego (do Norte), cantaril (do Sul). Vasconcellos deduz que "cantaril" significa "como que canta", uma aproximação à forma "pastoril" e ao espanhol "cantarín", e acrescenta:
"Como o povo põe sempre algo de poesia nas suas concepções, usa lá este provérbio:
Sopra do cantaril?
Solta os bois, e deita-te a fugir."
Uma outra história de origem deste nome atribui-se ao vento que sopra vindo dos Cântaros da Serra da Estrela. É este que se transforma em grupo musical. Os Cantaril surgiram em 1982, em Almada, inspirados por música popular e tradicional. No ano seguinte, alguns membros do grupo participam no disco Como se Fora Seu Filho de José Afonso, e, enquanto Cantaril viajam pelo país, Europa fora e Angola. Em 1985, co-editam o seu primeiro disco com a cooperativa cultural EraNova, que viria a apoiar também, mais tarde, o segundo e último álbum do grupo.
É relevante notar o surgimento de várias cooperativas nos anos logo após Abril de 1974 tais como a Vozes na Luta criada pelo Grupo de Acção Cultural (GAC), a Cantarabril, ou a Toma Lá Disco. Estas partilhavam objectivos na ordem da profissionalização, de incentivo a produção e dinamização cultural, mas também desenvolver uma base ideológica. A Cooperativa EraNova é formalizada em 1978 e, embora reúna agentes culturais de várias disciplinas artísticas (como da música, do teatro, da animação cultural, e do cinema), é primeiro pensada para apoiar a produção e distribuição cinematográfica — destaque para o filme Torre Bela (1977) do Thomas Harlan. Porém, não demorou muito até surgir a intenção de expandir o raio de ação, começando pela Semana Etnográfica Etno78 que incorporava, além do cinema, vários concertos, uma exposição de fotografia, músicas e danças folclóricas e regionais, artesanato e gastronomia. Em relação ao apoio fonográfico por esta cooperativa, há registo apenas dos Cantaril.
No verso da capa do primeiro disco do grupo, intitulado Por Conta Própria, de 1985, descrevem o seu percurso breve e de como muita da música ali gravada parte das recolhas de Michel Giacometti e Fernando Lopes-Graça. Além do carácter introdutório e técnico destas notas — uma prática comum —, os Cantaril revelam como o título do disco é para ser levado à letra. Por Conta Própria serve como uma alternativa apta ao faça-você-mesmo ou ao inglês *do-it-yourself*. É assumidamente um disco humilde, de duração mais curta, para manter as contas ao alcance de serem pagas. O limite de fazer um disco de forma independente desenha-se também no preço de venda e na capacidade económica de um público. Caso tivessem gasto mais do próprio dinheiro na produção, "o preço do produto final seria outro, menos popular e mais 'tradicional'".
Os Cantaril surgem perto do fim de um período histórico com especial foco no reproduzir, reclamar, e retimbrar a música tradicional e comentam assim, portanto, a chegada do processo de institucionalização deste repertório.
"Como o povo põe sempre algo de poesia nas suas concepções, usa lá este provérbio:
Sopra do cantaril?
Solta os bois, e deita-te a fugir."
Uma outra história de origem deste nome atribui-se ao vento que sopra vindo dos Cântaros da Serra da Estrela. É este que se transforma em grupo musical. Os Cantaril surgiram em 1982, em Almada, inspirados por música popular e tradicional. No ano seguinte, alguns membros do grupo participam no disco Como se Fora Seu Filho de José Afonso, e, enquanto Cantaril viajam pelo país, Europa fora e Angola. Em 1985, co-editam o seu primeiro disco com a cooperativa cultural EraNova, que viria a apoiar também, mais tarde, o segundo e último álbum do grupo.
É relevante notar o surgimento de várias cooperativas nos anos logo após Abril de 1974 tais como a Vozes na Luta criada pelo Grupo de Acção Cultural (GAC), a Cantarabril, ou a Toma Lá Disco. Estas partilhavam objectivos na ordem da profissionalização, de incentivo a produção e dinamização cultural, mas também desenvolver uma base ideológica. A Cooperativa EraNova é formalizada em 1978 e, embora reúna agentes culturais de várias disciplinas artísticas (como da música, do teatro, da animação cultural, e do cinema), é primeiro pensada para apoiar a produção e distribuição cinematográfica — destaque para o filme Torre Bela (1977) do Thomas Harlan. Porém, não demorou muito até surgir a intenção de expandir o raio de ação, começando pela Semana Etnográfica Etno78 que incorporava, além do cinema, vários concertos, uma exposição de fotografia, músicas e danças folclóricas e regionais, artesanato e gastronomia. Em relação ao apoio fonográfico por esta cooperativa, há registo apenas dos Cantaril.
No verso da capa do primeiro disco do grupo, intitulado Por Conta Própria, de 1985, descrevem o seu percurso breve e de como muita da música ali gravada parte das recolhas de Michel Giacometti e Fernando Lopes-Graça. Além do carácter introdutório e técnico destas notas — uma prática comum —, os Cantaril revelam como o título do disco é para ser levado à letra. Por Conta Própria serve como uma alternativa apta ao faça-você-mesmo ou ao inglês *do-it-yourself*. É assumidamente um disco humilde, de duração mais curta, para manter as contas ao alcance de serem pagas. O limite de fazer um disco de forma independente desenha-se também no preço de venda e na capacidade económica de um público. Caso tivessem gasto mais do próprio dinheiro na produção, "o preço do produto final seria outro, menos popular e mais 'tradicional'".
Os Cantaril surgem perto do fim de um período histórico com especial foco no reproduzir, reclamar, e retimbrar a música tradicional e comentam assim, portanto, a chegada do processo de institucionalização deste repertório.